Introdução aos Instrumentos Musicais
Se um violino estiver a produzir som, podemos observar a vibração das suas cordas, mas não conseguimos ver o movimento vibratório de toda a estrutura do instrumento. No entanto, todas as partes do instrumento vibram. No seu todo, o instrumento comporta-se como um conjunto de osciladores de grande complexidade. Algumas partes isoladas poderão vibrar de modo mais ou menos simples, mas o seu acoplamento dá origem a vibrações sempre complexas.
Analisando um instrumento musical do ponto de vista físico, podemos encará-lo como um sistema dinâmico. Seja qual for o instrumento em questão, ele é constituído por três componentes, que podem ser considerados subsistemas de fronteiras mais limitadas: sistema excitador, sistema ressoador e sistema radiante. Apesar de simplificada, esta classificação torna-se útil quando queremos analisar os instrumentos fisicamente.
Sistema Excitador
O sistema excitador é o mecanismo físico que gera as vibrações transformando energia não-vibratória (movimento do arco, fluxo de ar) em energia vibratória. Como exemplos podemos citar as interações: martelo/corda no piano, fluxo do ar/vibração labial nos metals, baqueta/membrana no timbale, fluxo de ar/vibração da palheta dupla no oboé.
Nos cordofones, os modos de pôr uma corda em vibração são: percutir, friccionar, beliscar (ou dedilhar)¹. Relativamente aos aerofones, os modos de excitar uma coluna de ar são: jacto de ar/aresta, palheta e vibração labial.
O sistema excitador pode ser bem diferente consoante o tipo de energia envolvida na produção sonora: nos instrumentos mecânicos o sistema de excitação consiste em provocar vibrações mecânicas ou acústicas; nos instrumentos electrónicos a origem do som está em osciladores electrónicos ou em dispositivos informáticos, havendo necessariamente um transdutor como um altifalante que converte a energia elétrica em energia acústica; nos instrumentos electromecânicos utilizam-se elementos electrónicos e mecânicos. Neste caso a origem do som é mecânica, e a electrónica intervém, quer para modificar e amplificar esse sinal antes de ser radiado, quer para simular a resposta do corpo do instrumento.
Sistema Ressoador
O sistema excitador está acoplado ao sistema ressoador, processo pelo qual as oscilações são amplificadas, filtradas ou modificadas. O ressoador é o elemento que ressoa à frequência pretendida. Na realidade, o sistema ressoador não faz apenas a amplificação do som de base que provém do sistema excitador. Ele actua como uma função de transferência específica para cada caso, modificando esse som de base que é uma espécie de matéria-prima. Exemplos de sistema ressoadores: corda e caixa do violino, tubo/modos acústicos na trompa, cordas e caixa de ressonância na guitarra, cordas vocais/tracto vocal no aparelho vocal humano. O ressoador ou ressoadores existentes no instrumento são múltiplos. A fonte sonora produz regra geral energia em muitas frequência, algumas das quais são depois amplificadas e modificadas pelo sistema ressoador.
A caixa a ressonância dos cordofones é feita de modo a amplificar convenientemente as frequências emitidas pela corda. Mas como a caixa tem os seus modos próprios de vibração, e o ar nela contido também, a energia vibratória da corda ao ser transferida para a caixa vai ser amplificada de acordo com as frequências desses modos. O som produzido pela corda é “filtrado” pelo corpo do instrumento.
Sistema Radiante
O som dos instrumentos que chega até nós depende do seu sistema radiante. Este é constituído pelos mecanismos que o instrumento possui para radiar som, isto é, transmiti vibrações ao ar circundante originando assim a onda sonora que se propaga no meio até atingir os nossos ouvidos. A energia vibratória e acústica resultante dos sistemas excitador ressoador é transformada em energia vibratória do ar (energia acústica radiante). Exemplos: orifícios laterais e pavilhão no clarinete, tampo harmónico no piano, pavilhão no trombone, caixas da guitarra e do violino e massa de ar interior.
Em todos os instrumentos existe um compromisso entre a energia necessária para se poderem formar as ondas estacionárias no interior do instrumento, e a energia que se deve transferir por radiação para o exterior para que possamos ouvir esse instrumento. Se a transferência de energia do sistema radiante fosse total, a onda estacionária não se formava e o som que estamos habituados a ouvir assim num instrumento musical não surgiria.
Interação dos Sistemas Excitador, Ressoador e Radiante
Os sistemas excitador, ressoador e radiante estão acoplados, interagindo entre si. O modo como se influenciam fisicamente depende de muitos factores variando com o tipo de instrumento. Vejamos alguns exemplos: nos instrumentos mecânicos, a frequência do som emitido é determinada essencialmente pelo sistema ressoador. Nos instrumentos de sopro são os modos acústicos do tubo que prevalecem sobre as frequências do sistema excitador. Nos instrumentos de corda friccionada, percutida ou beliscada são os modos próprios das corda que determinam a frequência emitida. Nos instrumentos auto-excitados, o ressoador interage com o sistema excitador controlando a energia que “precisa” receber dele. No violino, por exemplo, existem portanto vários sistemas oscilatórios interligados: a corda, o cavalete, tampo superior, alma, barra, ar no interior da caixa, tampo inferior (sem considerar outros menos importantes como o estandarte, o braço).
Note que em muitos casos uma parte do instrumento pode ter diversas funções: a corda do violino faz parte simultaneamente do mecanismo de excitação e é elemento ressoador, a lâmina do xilofone cumpre três simultaneamente: faz parte do sistema excitador e é elemento ressoador e radiante.
Aspectos Lineares e Não-Lineares
Ao estudar os instrumentos musicais do ponto de vista físico verifica-se que no seu comportamento existem aspectos lineares e aspectos não-lineares². De uma maneira geral, os aspectos lineares estão no sistema ressoador e os aspectos não-lineares encontram-se no sistema excitador (veja Figura 6.1).
Figura 6.1 Interpretação de um instrumento musical do ponto de vista físico. Note o percurso de retroalimentação. (feed-back) entre os sistemas ressoador e excitador.
As grandes não – linearidades nos instrumentos musicais encontram-se ao nível dos mecanismos de excitação e são elas que justificam muitas propriedades dos instrumentos (algumas das quais por vezes aparentemente incompreensíveis). Vejamos alguns exemplos concretos de comportamentos não – lineares:
.Nos instrumentos de palheta existem não – linearidades entre o movimento da palheta e o fluxo do ar.
.Nos instrumentos de aresta há interacção não – linear entre as flutuações de pressão associadas aos vórtices gerados na aresta e os modos acústicos do ressoador do instrumento.
.Nos instrumentos de bocal existe interação não-linear entre os lábios do músico e o fluxo de ar por ele introduzido.
.Nos instrumentos de corda friccionada a força de atrito existente entre o arco e a corda é fortemente não – linear.
.Nos instrumentos de corda beliscada surgem não – linearidades quando se puxa a corda com bastante força.
.Nos instrumentos de percussão há efeitos não – lineares quando se percute a pele com uma força acima de um determinado limite.
As não-linearidade nos instrumentos apenas com regime transitório (oscilação amortecida) podem ser encontradas de diversas formas. É o caso das cordas beliscadas e percutidas, e da percussão. Como as oscilações não são auto – excitadas, os sistemas podem ser encarados como sistemas lineares aos quais são impostas determinadas condições iniciais. Mas também podem ser considerados como sistemas acoplados não – lineares, sendo a interação não – linear entre o martelo (ou baquete) e a corda (ou pele, …) extremamente complexa.
Suponha que se executa um som num determinado instrumento. Ao tocar a mesma nota mais forte, em geral existem não – linearidades que geram distorção harmónica. O resultado sonoro é quase sempre um som mais forte, mas mais cheio, timbricamente mais rico. Se nesse processo não existissem efeitos não – lineares, o som forte seria apenas um sinal igual ao primeiro executado com mais força, e não um som diferente timbricamente. Este fenómeno explica claramente a diferença que existe numa gravação entre procurar captar a maior gama dinâmica possível na origem sonora ou manipular os sons posteriormente depois de gravados, amplificando o sinal. O timbre e a qualidade sonora resultantes das duas situações são completamente diferentes, sendo a primeira naturalmente mais fidedigma.
Besnainou (2001) afirma que as não – linearidades provêm não só do sistema excitador mas também do sistema ressoador. Este facto põe em causa a interpretação clássica do instrumento do ponto de vista físico (esquematicamente apresentada na Figura 6.1) que foi apresentada por McIntyre et al. (1983), e que de uma maneira geral tem sido aceite. Besnainou et al. (2001) referem que as não – linearidades do ressoador afectam a qualidade sonora e as nuances piano / forte. Para os autores o desconhecimento de fenómeno pode estar no facto das não – linearidades geradas pelo ressoador poderem estar “camufladas” o espectro, por terem as mesmas frequências dos componentes geradas pelas não – linearidades do excitador. A constatação de Besnainou é um fenómeno extremamente importante pelas implicações na compreensão do comportamento dos instrumentos e na sua modelação física. No entanto, a implementação dos aspectos não – lineares do ressoador na modelação física conduz a modelos muito complicados. Segundo Besnainou et al. (2001) as não linearidades do corpo dos instrumentos de corda poderão ter origem na variação com a amplitude vibratória da viscoelasticidade do material do instrumento, ou da rigidez modal, resultando num acoplamento dos modos.